Em primeiro lugar vamos entender pela ótica da neurociência e da psicanálise, como funciona a nossa personalidade.
O nosso cérebro é muito parecido com um computador. Ele precisa ser "programado" (condicionado) para poder funcionar direito. O cérebro adora padrões, hábitos e, de preferência, fazer a mesma coisa sempre para obter um resultado previsível, como se fosse um software. Essa capacidade de se condicionar vale tanto para o bem, na forma de comportamentos positivos, equilibrados, adaptativos, como para o mal, na forma de comportamentos neuróticos, disfuncionais e mal adaptativos. Essa necessidade e capacidade de criar padrões, condicionamentos e hábitos proporcionam uma estabilidade funcional. Imagine se mudássemos de ideia ou de comportamento o tempo todo ? Nossa vida seria caótica e inviável, portanto, o cérebro nos induz a ter um comportamento "padronizado" visando, a princípio, o nosso próprio benefício.
Pela psicanálise a nossa personalidade (ego) adota vários mecanismos de defesa para evitar que nos tornemos muito autoconscientes e com isso, correr o risco de ser questionado, desconstruído. Isso porque o ego precisa sobreviver e se auto preservar. O ego quer não apenas sobreviver e se manter tal como foi construído, mas, se possível, crescer e se fortalecer. Toda ou qualquer ameaça a essa sobrevivência, por exemplo, mudar padrões de comportamento, é imediatamente defendida e combatida. Psicoterapia, autoconhecimento e eventos traumáticos ou impactantes aumentam o nosso nível de consciência (nos fazem despertar do sono egoico) e isso representa uma ameaça ao próprio ego que reage nos dando uma dose maior de "sedativo" (alienação, dissonância cognitiva, fuga da realidade, fantasias, idealizações, racionalizações, introjeções, repressões, negações, etc, etc, etc, ). Como resultado, o que parecia ruim e provocava sofrimento, deixa de parecer tão ruim assim e até tem lá suas vantagens, portanto, é melhor não mexer. Isso, em parte, explica as evasões na terapia ou a resistência em fazê-la.
Nosso comportamento e personalidade são formados por sinapses, conexões neurais que se assemelham a caminhos, estradas cerebrais que foram construídas ao longo da nossa vivência, grande parte na infância, puberdade e adolescência. Nessas sinapses se formam e se estruturam os esquemas, as memórias, as nossas reações emocionais e respostas cognitivas às experiências. Com o tempo, essas respostas e reações passam a percorrer sempre os mesmos caminhos, as mesmas estradas. Essas estradas cerebrais construídas na infância são as mais estruturadas, arraigadas, profundas e difíceis de serem trabalhadas no sentido de desconstrução ou de se criar sinapses alternativas a elas gerando novos padrões e um novo comportamento. Memórias e padrões formados na vida adulta são relativamente fáceis de serem reestruturados e substituídos por novos padrões porque se constituem basicamente de crenças e ideias introjetadas.
Além dos mecanismos de defesa, existe mais um componente fundamental que explica o porquê insistimos em adotar o mesmo comportamento e tendemos a rejeitar qualquer tentativa de mudá-lo; chama-se :
GANHO SECUNDÁRIO. O ganho secundário é uma espécie de "recompensa" do ego para o indivíduo manter o seu padrão de comportamento.
Todo comportamento, por mais nocivo, bizarro, esdrúxulo, irracional, ilógico e mal adaptativo que seja, tem uma razão de ser e essa razão visa atender a uma NECESSIDADE emocional ou psicológica, podendo também ser uma espécie de compensação. Ganho secundário é um prazer momentâneo, mas muito viciante e enebriante. Pode ser uma baixa da ansiedade, do medo, uma sensação de alívio, pode ser uma sensação de orgulho, uma elevação da autoestima e até um prazer físico. Alguns ganhos secundários podem ser mais explícitos e objetivos como uma vantagem financeira, ganho de atenção, comida, bebida, drogas, mas muito cuidado porque não se pode confundir ganho secundário com "segundas intenções"ou manipulações e desculpas. O ganho secundário é
INCONSCIENTE, a pessoa não consegue perceber a dinâmica comportamento-recompensa. Ter um caso fora do casamento não é um ganho secundário para explicar a infidelidade ou problemas na relação. Beber ou se drogar na festinha não são ganhos secundários porque "eu tive uma infância difícil". Mentir ou manipular
DELIBERADA E CONSCIENTEMENTE para conseguir alguma coisa ... Tudo isso não é ganho secundário.
Um exemplo de um comportamento mal adaptativo e seu respectivo ganho secundário : um indivíduo que se sente inseguro em lidar com novas experiências, se apegando muito à rotinas e à segurança. Como resposta a esse esquema ele se torna refratário às mudanças e foge das situações que se mostram desafiantes demais, além de ser super desconfiado e não se comprometer com nada nem com ninguém que represente algo novo, diferente ou desconhecido.
Ao fugir ou rejeitar em lidar com novos desafios e experiências e se apegar às rotinas, ele usa primeiro o mecanismo de defesa da "racionalização", inventando desculpas bem elaboradas, tentando encontrar defeitos e aparentes incoerências para justificar sua rejeição ao "novo". O ego então lhe da a recompensa, o seu ganho secundário na forma de um alívio muito grande da ansiedade, do sentimento de culpa, inferioridade e inadequação e até um sentimento de orgulho por ter feito uma análise "racional" (?!!!) da questão. Ele vai para casa se sentindo relativamente bem, sem conflitos, mas tendo como resultado a perpetuação e o reforço do seu esquema e do comportamento mal adaptativos e pode ter perdido mais uma oportunidade de inúmeras com as quais ele se deparou. Passado algum tempo, ele reclama que a vida dele parece não andar e que "as portas estão sempre fechadas". Não sabe o porquê disso e culpa pessoas (projeção) e o próprio "azar" ou destino (projeção e idealização).
Mesmo que a pessoa tenha consciência que o seu comportamento é disfuncional e lhe causa prejuízos, ela só vai se motivar a mudar se a dor, o sofrimento e os danos causados por esse comportamento forem MAIORES e MAIS FORTES que o prazer e a recompensa do ganho secundário.
O ego odeia mudanças, ser investigado, questionado e vai fazer de tudo para que o indivíduo não se convença da necessidade de mudar. Tem pessoas que usam a própria dor e o sofrimento como ganho secundário visando chamar a atenção para si ou chantagear emocionalmente na tentativa (
sempre inconsciente) de conseguir o que quer. Um exemplo disso são pessoas que tentam suicídio, se drogam, se auto mutilam ou são alcoólicas. Elas sabem que as consequências dos seus atos são nefastas, mas não conseguem deixar de fazê-los porque o "prazer" ou a "recompensa"do ganho secundário é muito mais forte e irresistível na forma de troféu ou arma de manipulação para atingir pessoas, se vingarem, conseguir chamar a atenção, compensarem vazios existenciais, frustrações, necessidades emocionais não atendidas ou abusos. Isso não significa que todos nesta condição o fazem por esses motivos, cada caso é um caso, mas eu, particularmente, acredito que há uma forte tendência nessa direção.
Outro fator que facilita o processo de mudança é um evento traumático ou uma experiência muito marcante e significativa. Isso porque o evento ou experiências criam novas e fortes sinapses cerebrais quase que instantaneamente. Parece mágica.
Um dado muito interessante é que a nossa personalidade consegue fazer "micro mudanças" o tempo todo, todos os dias. Basta estar vivo para que tenhamos que nos adaptar ao ambiente, às experiências. Essa flexibilidade natural (neuroplasticidade) nos permite realizar essas micro mudanças, no entanto, além de serem totalmente inconscientes, as sinapses não se fortalecem porque não há uma repetição, falta consistência e com isso os caminhos cerebrais não são "asfaltados"e a nova habilidade e o novo comportamento meio que se perdem. Parecido com a memória RAM do computador, a memória volátil. Essas micro mudanças são decorrentes de situações inusitadas e aleatórias que não se repetem. De repente a pessoa sofre um acidente de trânsito (ninguém sofre acidente de transito todos os dias) e com isso teve que se ajustar de algum modo para poder lidar com a situação. Chegar atrasado a um evento importante ou esperar por alguém que se atrasou, enfim, essas pequenas adaptações que representam micro mudanças provam que o nosso cérebro é maleável o suficiente para mudar.
Da mesma forma como produzimos micro mudanças, podemos também realizar grandes mudanças. A MUDANÇA A chave para a mudança é criar novas sinapses cerebrais que deem caminhos alternativos para um novo comportamento, que aponte para uma nova direção. Não tem como apagar as memórias ou desconstruir as sinapses antigas, embora fosse, em tese, a forma mais rápida e prática de mudar um comportamento. No filme "Brilho eterno de uma mente sem lembranças", havia uma máquina "apaga sinapses" que deletava as memórias antigas e dolorosas, mas nem no filme isso deu certo.
Uma das estratégias psicoterápicas mais eficazes é quebrar o círculo vicioso "comportamento-ganho secundário", mas não é tão simples assim. As dificuldades que o ego impõe são inúmeras. Em algumas pessoas é como um exorcismo. Tentar tirar o ganho secundário puro e simplesmente não funciona. Há crises de abstinência. O indivíduo sente-se péssimo e muito pior do que quando chegou à psicoterapia e o risco dele desistir é enorme. Uma das inúmeras estratégias é gerar um novo ganho secundário para o novo comportamento, tudo isso a quatro mãos e em comum acordo (psicoterapeuta e cliente), mas dessa vez, um ganho secundário funcional, adaptativo. Ao mesmo tempo, provar que o comportamento antigo e o seus respectivos ganhos secundários só trouxeram prejuízos, expor e quantificar esses prejuízos.
Não há medicamento milagroso nem uma máquina mágica que consiga fazer toda essa mudança;
só a psicoterapia é capaz de fazer esse trabalho. Há várias técnicas e abordagens psicoterápicas que facilitam esse processo, mas psicoterapia não é uma ciência exata nem uma receita de bolo. Cada indivíduo responde de um modo distinto à abordagem, portanto, não é possível elaborar uma estratégia que seja efetiva e funcione para todos sem distinção. O terapeuta, portanto, precisa dominar um arsenal de técnicas psicoterápicas e, em conjunto com o seu talento e experiência, "customizar" uma estratégia que funcione.
LIMITE GENÉTICO
Cada um de nós nasceu com um código genético que define nossos potenciais e limitações. No caso da psicoterapia, nem todos os indivíduos vão alcançar um nível excepcional de desenvolvimento, de saúde mental e psicológica. Da mesma forma que cada um tem um limite físico e até de inteligência cognitiva, há também um limite para a inteligência emocional. O importante é que cada um trabalhe para atingir o seu nível máximo de inteligência emocional e acalçar o seu limite genético. É muito comum testemunhar esse desnivelamento na terapia de casal. O terapeuta é o mesmo, a abordagem é a mesma, mas o ganho e a forma como cada cônjuge absorve e se desenvolve na psicoterapia varia bastante. De qualquer forma, o ganho em conjunto acaba beneficiando muito o casal, independente se um cresceu ou aproveitou mais a psicoterapia do que o outro.
TERAPIA DO ESQUEMAMudanças importantes e significativas de comportamento que afetam positivamente a qualidade de vida não só são possíveis como podem ser conseguidas de uma forma relativamente rápida (meses). Vai depender da motivação, do limite genético, do talento e experiência do psicoterapeuta e da estratégia psicoterápica. Neste aspecto, a
Terapia do Esquema se mostra como a abordagem psicoterápica extremamente efetiva, poderosa e moderna para proporcionar essas mudanças.